Arquivos Mensais:julho 2013

Envelhecer deveria ser como Woody Allen tocando clarineta

Envelhecer deveria ser como Woody Allen tocando clarineta. Pensei nisso quando assisti certa vez  a um show de sua banda de traditional jazz. Explico o paralelo nesse post.

Woody Allen toca mal, deixo claro desde já. Ninguém foi ao seu show para ouvi-lo, mas obviamente para vê-lo ou vê-lo em uma situação inusitada. É sobre essa escolha inusitada de se tornar um músico de jazz, que se aventura em se expor ao público, que me debruço.

Não tenho acesso às motivações de Woody Allen. Se tocar fosse sua motivação principal ele poderia fazer isso em ambiente privado, em ensaios ou até para platéias mais reduzidas. Apenas no show que fui deveria ter umas 1000 pessoas. Assim, por mais que ele goste de tocar (e claramente gosta), essa não é sua motivação principal. Ser um músico de jazz é sua motivação – essa foi a impressão que tive. Quando falo em “ser um músico”, eu me refiro a toda uma simbologia, ao elemento físico e gestual que implica um músico, ao desejo identitário tardio de ser membro de um grupo de jazz, ao desejo de pertencer ao coletivo, à rotina que implica ser membro de um grupo de jazz.

Woody faz isso com todas as forças, claramente quer se destacar no palco. Ele o faz pela presença icônica de um dos grandes do cinema mas também pelo uso de um forte elemento cênico – seu silêncio concentrado antes de tocar. Como é normal em grupos de jazz, os sopros não atuam o tempo todo na música, eles entram em determinados momentos, como base harmônica ou como solistas. Woody fica petrificadamente concentrado enquanto espera seu momento. Para quem observa ele transmite uma sensação de que o que ele fará a seguir é pensado, esforçado e profundamente ensaiado. Ele não está ali para fazer feio e, mesmo que o faça, ele o fará tentando ao máximo ser bem sucedido na empreitada.

Porque isso importa ao tema de envelhecimento, você já deve ter se perguntado. Woody Allen tem uma carreira bem sucedida no cinema, mas decidiu se engajar em uma segunda carreira no meio da fase denominada terceira idade. Sua mãe queria que ele fosse farmacêutico. Ele foi comediante e cineasta. Faltava-lhe a música, o jazz, e ele decidiu fazer isso antes que fosse tarde demais.

Certamente tocar faz bem a Woody Allen, ele tem nisso um propósito, uma rotina, um ambiente social, uma prática que deseja para si, reconhecimento e até dinheiro. Woody Allen poderia parar de fazer cinema que o jazz tomaria sua vida. A busca por projetos novos ou pela continuação de projetos em andamento é um dos elementos fundamentais de um envelhecimento saudável. O planejamento de atividades e papéis para quando se envelhecer é outra tarefa fundamental e que pode ser iniciada tanto na fase pré-envelhecimento quanto no momento em que a idade bateu na porta e a vida foi transformada. A literatura nos mostra que planejar bem a velhice é algo que poucos fazem (Street e Desai, 2011). Alguns pensam nos aspectos econômicos e fisiológicos apenas e muitos se esquecem dos aspectos relacionados aos papéis que se deseja assumir.

Os novos projetos reforçam quem se é ou quem se torna a pessoa que envelhece e quanto mais ela já não tiver os antigos papéis que representava na sociedade, tanto mais ter novos projetos será importante. A sociedade atual se estruturou de uma forma que retira papéis dos que envelhecem mas não os repõe repaginados. Certo ou errado, cabe ao indivíduo, então, atuar para se proteger e planejar sua vida. Niemeyer não viveu tanto por ter uma saúde privilegiada apenas. Foi seu trabalho, foi continuar a produzir e a ser Niemeyer que o manteve vivo por tanto tempo. Ninguém foi lá e disse a Niemeyer que ele não podia mais projetar e que um garoto de 25 anos tomaria seu lugar. Mas com muita gente isso acontece. É preciso buscar novos papéis.

Não quero aqui bancar o ingênuo e deixar de lado as possibilidades que ser rico, culto e bem relacionado traz a Woody Allen, características indisponíveis à grande maioria das pessoas que envelhecem. Mas quero usar seu exemplo como incentivo a todos nós, menos privilegiados.

E quanto à clarineta que cada um vai tocar, que importa se não a tocarmos com a mesma qualidade que fazíamos nos nossos papéis anteriores, desenvolvidos ao longo de décadas? Fazer bem não tem mais valor do que apenas fazer. Afinal, se há tanto para ser aperfeiçoado quando se vive, morrer pra que?

Benjamin Rosenthal

 

Sucesso não tem idade

“Bate outra vez, com esperanças o meu coração, pois já vai terminando o verão…”. Esses são os versos que abrem uma das músicas mais belas da música brasileira, As rosas não falam, do célebre compositor Cartola (1908-1980). Quando compôs essa música, em 1974, ele estava com 66 anos e havia acabado de gravar seu primeiro disco. Essa canção na verdade só ganharia o mundo na voz de Beth Carvallho, em 1976.

Apesar de desde moleque Cartola ter se envolvido com o universo do samba, passou grande parte da vida no anonimato e apenas aos 66 anos acabou despontando para o sucesso. Imagine se, como muitos que se acham “velhos” aos 60 anos, Cartola tivesse ficado na sua. Não conheceríamos canções como “As rosas…” e “O mundo é um moinho”. E já que falei dessa, olha seu abre alas: “Ainda é cedo amor, mal começaste a conhecer a vida, já anuncias a hora da partida…”.

Um ditado conhecido diz que uma vez escritas as palavras são de quem as lê, não mais de quem as escreveu. Muito sábio, pois em cada um elas podem produzir significados novos, uma vez combinados aos sentimentos particulares. Faço uso dessa prerrogativa para interpretar que nas 2 canções, o tema do tempo é muito marcante. É a esperança que renasce após um verão que termina, quando talvez fosse óbvio o contrário. Assim como alguém que parte antes do que deveria.

Cartola tal qual o conhecemos nasceu aos 66 anos. E ele está longe de ser o único nessa situação. Para falar de alguns, a lista de artistas tardios inclui, por exemplo, a inglesa Mary Delany (1700-1788), que fez sucesso aos 71 anos. Apesar de ter uma vida dedicada a artes, só ficou conhecida quando após a morte do marido encontrou na representação de flores uma maneira de lidar com a dor da perda. Suas obras impressionaram até o rei George III, que enviou a ela flores raras do jardim real para que as representasse. A perda foi um recomeço, não um fim.

Carmen Herrera (nascida em 1915) é um caso ainda mais impressionante. Ela despontou aos 89 anos, quando em 2004 vendeu seu primeiro quadro, depois de pintar de maneira privada por 6 décadas. Hoje é possível ver obras suas no MoMA de NY e no Tate Modern de Londres, entre outros famosos museus. História similar já vivida antes por Grandma Moses (1860-1961) ficou conhecida aos 79 anos, quando o mesmo MoMA adquiriu 3 de seus quadros. Quando completou 100 anos Grandma foi capa da revista LIFE.

Mas se voltarmos o olhar para o mundo empresarial, também há vários exemplos que atingiram o topo depois do 60: Lázaro Brandão, Abílio Diniz, Elie Horn. O primeiro esteve a frente do Bradesco entre os 55 e 73 anos (1981-1999) e fez o banco multiplicar de tamanho. Em 2009, Abílio Diniz aos 73 anos consolidou a maior rede de varejo do país. Elie Horn está a frente da maior construtora do brasileira (imobiliário), a Cyrela, que abriu capital em 2005, quando Elie tinha 61 anos. Um ano depois ele entraria na lista de bilionários da Forbes.

Enfim, por essas e muitas outras fica claro que a idade não é necessariamente um limitante para nossas realizações, sejam elas ditas grandiosas ou não.

Roni Ribeiro

 

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