Arquivos Mensais:setembro 2013

A memória falha, mas a história se aperfeiçoa…

A técnica narrativa em entrevista consiste, muito grosso modo, em estimular o entrevistado a narrar fatos de sua vida (por exemplo) com o máximo de detalhes possível, no tema de interesse do projeto. Narrativas contém muito mais conteúdo simbólico e emocional do que racional por espaço de texto do que entrevistas factuais. Para isso um dos papéis do entrevistador é estimular o detalhamento desses fatos, buscar os “significados êmicos” (de cada um, na sua própria perspectiva).

Quando se envelhece a memória se modifica e nossa reconstrução dos fatos é cada vez mais uma reconstrução da reconstrução da reconstrução da reconstrução…

Isso a torna “pouco confiável”? Muito pelo contrário. Narrativas são construídas na interação entre quem conta e quem escuta e a vontade de contar bem como a disponibilidade para ouvir fazem com que a construção (conjunta) de histórias seja parte importante do método. Pessoas maduras amam falar, ainda mais quando alguém está honestamente disposto a ouvir. Eles não foram tomados pelo desejo constante de “imergir online” típico dos atuais adolescentes.

A riqueza das histórias está menos está na veracidade do fato e mais naquilo que o que se conta revela sobre quem conta, afinal o que importa, ao fim e ao cabo, é a nossa subjetividade. Que histórias escolheu, que enredo empregou, quem são os atores, qual é o desfecho, o que aquilo significa são algumas das perguntas.

“A subjetividade nem sempre toma um caminho egocêntrico” (Frank e Vanderburgh, 1986). De fato a cada vez que o tema “respeito social” (ou a falta de) surge em conversas com maduros, em ocasiões em que esse desrespeito se materializou ou mesmo nas quais o respeito foi percebido, o que eu vejo não é um indivíduo que traz da memória uma ocasião que pode ou não ter sido daquela forma (e isso importa?). O que eu vejo é um grupo pedindo com urgência: “eu cheguei até aqui e mereço um tratamento decente”.

Benjamin Rosenthal

“When I’m Sixty-Four” (cuidado com o tom…)

Quando Lennon e McCartney escreveram a letra da música que inspirou esse post um velho era alguém com 64 anos. E ele deveria ser cuidado e tratado como velho. Como sabemos isso mudou, mas uma reclamação freqüente dos maduros é que a forma como as pessoas mais jovens se dirigem a eles não mudou. Quem nunca conversou com alguém bem mais velho de forma diferente da que conversa com pessoas da mesma idade?

Qual a origem disso? De certa forma as “folk theories” (o saber popular) que governam boa parte da vida das pessoas apregoam que os mais velhos têm dificuldade de entender e que, portanto, deve-se conversar com eles de forma lenta e simples. Mito. Na verdade, fora algum problema de audição, que não é incomum no processo de envelhecimento, ou alguma falta de conhecimento sobre o tema da conversa, qualquer pessoa com mais de 75 anos fala de tudo e processa informações quase que da mesma forma que os mais jovens (talvez um pouco mais lenta e organizadamente, alguém mais maldoso acrescentaria…).

Qual a conseqüência disso? A pessoa mais velha pode se irritar com o “excesso de cuidado” e desistir dessa pessoa. Se você conversa com sua avó ou sua tia dessa maneira ela pode ignorar o seu erro por amor e fingir que está tudo bem. Mas se você é a caixa da loja que o Sr. Nestor costuma freqüentar, ele pode se irritar e isso não agrega nada à sua experiência de serviço.

Vale lembrar que, ao tratar uma pessoa mais velha (para os padrões culturais atuais) como velha, alguém tem algo como 40 a 70% de chances de errar. Afirmo isso pois há estudos que mostram que boa parte das pessoas mais velhas não se vêem como mais velhas. Elas até vêem os outros como mais velhos mas não elas mesmas. Certo ou errado, é assim que elas constroem suas identidades e é com essa informação em mente que se deve agir.

Vale ainda lembrar que esse tom, esse tratamento, é uma das formas de ageismo (preconceito para com os mais velhos), um tema que em breve vai estar tão disseminado como bullying ou homofobia.

Fora que, como diz um trecho da letra de Lennon e McCartney, “You’ll be older too… / And if you say the Word / I could stay with you”.

Benjamin Rosenthal

When I Met my Sweet Loraine

Hoje eu vou falar de amor, somente de amor (que falta que faz o Tim Maia…) e abordar um lado inevitável do envelhecimento humano – teremos que conviver com pessoas que se casam e vivem juntos por mais de 50, 60, 70 anos. Que admiração, que inveja de tanto amor…

Se tem algo que eu gosto ao conversar com casais maduros é notar que eles se completam, se continuam, suas conversas são naturalmente fáceis, encaixadas, a cumplicidade é explícita, afinal são 40, 50, 60 anos juntos.

Entre casais mais maduros reduz-se o papel do indivíduo e aumenta o do casal. Um faz parte do outro (alguns chamam isso de self estendido). Viagem de férias? Decidem juntos. Supermercado e feira? Cada um assume um papel em uma engrenagem que é conjuntamente negociada. Investimentos? Ela opina ou define o perfil da aplicação, não duvide disso. Roupas? “Ela já sabe o que eu gosto”. Ele? Nunca aprenderá…

Quando um se vai? Aí depende. Muitos se afundam, homens principalmente. Entristecem, perderam uma parte da vida. A parte mais importante. Outros se reconstroem, se reinventam, mulheres principalmente.

Segundo o IBGE (PNAD), as taxas de separação caem com o passar dos anos. Dos 50 aos 59 anos ela é de 11%. Para quem tem de 60 a 69 anos, desce para 9%. Na fase dos 70 anos fica em 5%. Depois dos 80 anos apenas 2% se separam. Ainda pesquisarei os porquês desses poucos oitentões e oitentonas tão ávidos por novidade conjugal…

Nas relações afetivas os casais maduros parecem vir de Marte, de um lugar qualquer em que as relações são estáveis, eles ainda são casais modernos em um mundo pós moderno de relações liquidas.

Nessa semana Fred Stobaugh entrou para o top 10 da iTunes Store com uma música feita em homenagem à sua esposa, falecida um mês antes. Sweet Loraine, como na música de Nat King Cole, composta pelo jovem e apaixonado Fred, 96 anos, para a doce Loraine, 91. Em algum lugar ela deve ter escutado e apenas comprovado que os 73 anos de casados fizeram sentido.

Bauman, fique com essa: o passar dos anos torna os amores bastante sólidos.

 

Benjamin Rosenthal

http://g1.globo.com/musica/noticia/2013/08/musica-de-despedida-feita-por-viuvo-de-96-anos-entra-na-parada-dos-eua.html

O futuro não pertence aos jovens: eles diminuem em número no Brasil

“O futuro não é mais como era antigamente”. A frase é conhecida aqui pela letra de Renato Russo (mas o autor de fato é o jogador de baseball Yogi Berra). O Brasil sempre foi um pais muito jovem, mas esse retrato está silenciosamente mudando. A recente revisão do IBGE de projeções acerca do crescimento e da distribuição dos grupos etários no Brasil traz muitas informações relevantes nesse sentido. Vou me ater a uma delas que é quem são os públicos que crescem em termos absolutos (em número de habitantes) e quem são os públicos que diminuem ou seguem estabilizados.

Nossa população chegou em 2013 a 201 milhões de habitantes e crescerá cada vez menos. Em 2020 seremos 212 milhões, em 2030 seremos 223 milhões e em 2040 nossa população chegará a 228 milhões de habitantes, se estabilizará e começará a diminuir por volta de 20421.

Mas até lá, de onde virá esse crescimento? Esses 27 milhões de habitantes? Praticamente todos virão da faixa que tem mais que 40 anos.

Todos os grupos etários com menos de 30 anos já começaram a diminuir em termos absolutos, ano após ano são menos bebês, menos crianças e menos jovens. Nossa taxa de natalidade não tem sido nem será mais suficiente para uma reposição. O gráfico abaixo, extraído da apresentação de resultados do estudo citado do IBGE, coloca esse fato em números.

A faixa etária dos 30 aos 39 anos ainda cresce e permanecerá assim até 2020, quando se estabilizará, para entrar lentamente em declínio, a partir de 2035.

Os públicos que, desde já, crescem em termos absolutos (e obviamente, em termos relativos) e continuarão a crescer até 2040 são as pessoas com mais de 40 anos.

Não é novidade que o Brasil é um pais em processo de envelhecimento. A novidade é que ele já é um país em processo de encolhimento no número de jovens. É necessário chacoalhar governos e empresas – eles precisam colocar na pauta do dia uma agenda que contemple as implicações desse fenômeno, que aparentemente ainda não viram.

Benjamin Rosenthal

 

Fonte:

1 – http://saladeimprensa.ibge.gov.br/en/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=2455

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