Arquivos Mensais:outubro 2013

5 segundos para desafiar o ”peso“ de seus 47 anos

Você já deve ter visto esta cena. Era dia 11 de abril de 2009. Uma mulher gordinha, mal vestida acaba de subir ao palco do Britain’s Got Talent. O público ri e os jurados oscilam do enfadonho ao cinismo quando ela diz que está ali por que pretende ser uma cantora profissional. Simon Cowell pergunta sua idade, ao que ela responde 47 emendando com um profético “isso é apenas uma parte de mim”. Ele a questiona o que teria dado errado até então e firme ela diz que ainda não havia tido uma chance.
O que viria a seguir, talvez uma outra parte a que ela se referia, seria um marco nos programas de talento, já que Susan Boyle interpretando “I dreamed a dream” deve ter sido um dos vídeos mais vistos no Youtube. Mais do que o sucesso repentino Susan desafiou o histórico de fama fugaz dos ganhadores de programas como Britains’ Got Talent (na verdade ela terminou o programa em segundo lugar). Foi contrata pela Sony e já vendeu mais de 15 milhões de CDs num mundo em que as pessoas preferem baixar suas músicas pela internet.
Susan Boyle com sua voz não precisou de 5 segundo para mostrar a que veio e desafiar o “peso” de sua idade. O seu exemplo é emblemático de um dos mitos mais cruéis que existem sobre as pessoas maduras. As de que o sucesso é um privilégio dos jovens. Mais do que isso, de que os maduros não mais servem (mito que se voltará contra nós como um bumerangue com os estouro das Previdências pelo mundo – tema que tratarei num artigo futuro).
Afinal, quantas matérias me lembro de ter lido na revista Exame e afins sobre jovens que chegaram lá antes dos 30. Confesso que não me lembro de nenhuma que falasse do oposto, de pessoas que chegaram ao sucesso depois dos 50, 60, 70, 80 anos.
Sorte nossa que assim não pensaram figuras como Newton que publicou sua grande obra aos 44 anos, na qual nos apresentou as Leis da gravitação e as 3 Leis de Newton. Ou Thomas Edison, que depois de grandes invenções como o fonógrafo e a lâmpada elétrica, não pendurou as chuteiras e fundou aos 41 anos nada menos que a General Eletric. Seu amigo Henry fundaria a Ford aos 40.
No Brasil o exemplo que mais contradiz esse mito é o do jornalista Roberto Marinho, que criou a Rede Globo aos 61 anos. Imagino também que os acionistas da BR Foods também não acreditem muito nessa lenda, já que a grande aposta da empresa é um senhor de 77 anos, cujo nome dispensa apresentações. Independentemente da história pregressa de Abílio Diniz, o mercado financeiro não costuma render louros a lucros passados.
Tenho a impressão que na Europa e EUA esse mito tem perdido força, mas no Brasil ele ainda é pouco contestado. Uma evidência disso é o contraste que observamos quando fazemos reuniões com equipes globais de algumas multinacionais. Cargos equivalentes em diferentes países que aqui são ocupados por pessoas de 30 anos na maioria da vezes tem pares americanos entre 45 e 55 anos. Nada contra nossos jovens, mas não estaria faltando um pouco mais de cabelos brancos em nossas empresas?

Roniclever Rosa Ribeiro

Bernarda e Lutero: invejei…

Obviamente repercutiu nas redes sociais a cena de sexo entre Bernarda e Lutero, personagens de Amor à Vida que têm entre 70 e 80 anos de idade. Uma amiga logo me enviou alguns tweets com comentários sobre as cenas. Separei alguns aqui que refletem a tensão que tradicionalmente o tema gera. Omito os autores e modifico um pouco o texto por questões éticas:

você nota que sua vida sexual está meio parada quando até os tiozinhos tiraram o atraso

ai vó, para com isso…

os velhinhos tão trepando e a gente vendo novela! Invejei!

Lindos! #Bernarda & #Lutero. Amoravida

Será que vem patrulha? Amor na #melhoridade. Fora #preconceito.

Adorei a vovó modernete. Essa é das minhas!

Novelas são uma representação importante dos valores de uma sociedade. Autores de novela, fora todo o trabalho de pesquisa sobre um tema, têm um faro nato para entender as contradições inerentes à avaliação que diferentes grupos fazem do sexo na 4a idade e o potencial que isso pode trazer em termos de ibope, dada a crescente importância econômico-cultural desse público.

Em um estudo publicado no Journal of Aging Studies, Katz e Mall já falavam sobre as transformações que o “novo velho” passava no campo sexual. Corpos turbinados por milagres farmacêuticos se potencializam como atores sexuais. Ao mesmo tempo toda uma ética contemporânea passa a exigir dos velhos que “se mantenham ativos” e da-lhe sexualidade na vida dos mais experientes. Mais que o desejo (que para muitos idosos existe, é claro) entra também a obrigação ou a pressão em não ficar para trás, não envelhecer, não perder algo que possuíram. Sexo é ótimo, pressão cultural para curti-lo, não.

Até os anos 50 a diminuição da vida sexual era considerada algo “natural”, um efeito da passagem do tempo, preenchido de conotação negativa, mas algo a ser aceito. A partir dos anos 90 a perda do sexo na 3a idade passou a ser uma decisão de cada um, e uma decisão preenchida de benefícios (na sua presença) e de malefícios (na sua ausência). Que se faça sexo na 4a idade não é surpreendente, é natural. O que surpreende é a própria surpresa.

É ainda curioso observar o jogo de aprovação / desaprovação que se estabelece nas expressões dos espectadores. São julgamentos morais que espelham a visão que os mais jovens têm dos mais velhos – uma visão em clara transformação.

Eu também invejei o casal…

Benjamin Rosenthal

 

Sessentões que passeiam de Galaxy

Estive em um evento de mobile marketing da Mobint hoje e um dos palestrantes mencionou sobre o crescimento do uso de mobile no Brasil. 80 milhões acessam a internet e 50 milhões acessam via mobile. Classe C e os mais maduros são duas das grandes fontes de crescimento. Resolvi retomar esse assunto, já tratado antes por aqui.

Percebe-se que diversos fatores explicam o movimento. A tecnologia já não assusta mais quase ninguém. A imersão é até lenta para os padrões de um indivíduo – em 2 ou 3 anos um iletrado se torna um expert no mundo do i-phone e seus aplicativos, mas rápida para os padrões das empresas. Começa-se com ligações e SMS. Rapidamente conhece-se o whatsup e o Facebook (para não perder uma foto da neta). Quando menos se nota já usam aplicativos de comparação de preço de passagem aérea, internet banking, livros digitais, sites de relacionamento… E o que são 2 ou 3 anos para as empresas? Nada…

O segundo fator é a conectividade e o aumento das relações sociais que ela traz. Pessoas com mais de 60 anos têm tempo e frequentemente querem e precisam ampliar suas relações ou mesmo se manter conectados à sua rede. Mudanças no ciclo de vida familiar, alterações na rotina de trabalho e novos interesses fazem com que pessoas com mais de 60 anos precisem da tecnologia para ampliar ou manter sua rede de relacionamentos e obter todos os benefícios que ela proporciona para quem sabe usar.

O terceiro fator é social, mescla da imitação com o poder dos influentes. Tudo que é bacana e que a amiga bacana conta que é bacana, o outro precisa conhecer. Como ficar de fora? Tecnologia (seu uso, na verdade) é “cola social”, é assunto que domina as conversas e as relações. Consome-se tecnologia para que se possa falar sobre tecnologia e para que se possa ser e se posicionar como alguém inteirado de seu mundo.

O quarto fator é o mais poderoso, apesar de ser o mais lento a se estabelecer. O hábito. Tecnologia se torna um hábito, ela se incorpora aos modos de viver, às rotinas, à programação que todos nós vamos construindo e transformando e que determinam o como fazemos aquilo que fazemos. Tecnologia vai se incorporando às práticas cotidianas dos mais maduros e aí vira um passeio, em que cada vez mais eles conhecem e se sentem tranqüilos em conhecer mais.

Benjamin Rosenthal

A Bela Velhice

Como é bom ler um  livro curto e rico. Quem navega com frequência pela produção de conhecimento nem sempre se depara com a objetividade. Mirian Goldenberg consegue isso em seu ótimo A Bela Velhice. Li em uma sentada de 1 hora e meia.

O livro dialoga com a obra de Simone de Beauvoir e descreve formas de envelhecer bem, assim como percepções que os mais velhos têm acerca do envelhecimento. O objetivo da autora é contribuir para transformar a imagem negativa que paira sobre o envelhecimento.

Um ponto chave do livro é sua distinção entre projetos de homens e mulheres com mais de 60 anos. Os dados de Mirian mostram que homens querem trabalhar, querem a presença da família, tem muito medo de solidão, do desamparo. Mulheres, por sua vez, querem liberdade, algo que elas inclusive invejam nos homens. Liberdade significa fazer o que se quer, algo que é despertado pela mudança de papéis profissionais, familiares, pela separação, pela viuvez, entre outras mudanças contextuais na vida.

Os dados que possuímos na Gagarin vão de encontro ao que Mirian coloca, com algumas distinções importantes. Não vemos nos homens um envelhecimento com a qualidade desse que as mulheres possuem. Elas saem mais, se cuidam mais, são mais sociáveis, continuam a possuir papéis relevantes em seu cotidiano. Nos homens encontramos extremos: de um lado pessoas como as que Mirian entrevistou, cheias de vida, projetos, renovando-se no terceiro ato da vida. Mas há muitos homens de terceira idade deprimidos, tristes em não se encontrar novamente, sozinhos. Eles nunca (ou pouco) falam disso, mas suas esposas falam sobre eles dessa forma.

Sobre os novos projetos Mirian usa uma abordagem identitária de Simone de Beauvoir – somente projetos conectados com quem somos trarão frutos e darão sentido à velhice de cada um. Conversamos com muitas pessoas que seguiram caminhos atrelados a desejos pessoais e se tornaram felizes, até mais do que antes foram em suas vidas. Mas também encontramos pessoas com satisfação em apenas seguir sendo quem são, trabalhando com construção, vendendo, cozinhando, passando, lavando, conversando com os amigos, etc. A felicidade na terceira idade parece fruto de pequenas coisas que permanecem conectando o indivíduo à sociedade, integrando-o a seu círculo próximo de pessoas. Não são necessários grandes projetos individuais, ainda que isso possa existir e de fato trazer satisfação plena em se viver.

Um ponto alto do livro é a descrição de como o abandono da obrigação de ser (jovialmente) bela, sexualmente ativa e corresponder a anseios de parceiros faz com que muitas mulheres se libertem e se joguem em direção ao que de fato gostam na vida. Mulheres que se permitem mostrar seus corpos como são e que não carregam mais a culpa de não ser esteticamente o que imaginam que os outros desejariam que fossem – essas sim passam a ser felizes e bem resolvidas.

É um livro recomendadíssimo para interessados no bom envelhecimento.

Benjamin Rosenthal

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