Joni Mitchell e Saint Laurent: não se trata de uma modelo-idosa, mas de uma modelo-musicista
Modelos são tradicionalmente bastante jovens, pessoas na casa dos 20 anos. O uso de modelos teens ou de pessoas na casa dos 30 anos também é comum, ainda que esse último grupo seja menos presente. A escolha dos modelos segue critérios bastante peculiares no universo da moda. Não são apenas os rostos que importam mas como eles se adaptam às oscilações do que a indústria da moda considera como sendo os ideais de estética momentâneos.
As escolhas das marcas e de seus stakeholders, produtores de conteúdo cultural nas indústrias da moda e da mídia, resultam de múltiplos fatores: uma identidade da marca e sua imagem pretendida, a identificação imaginada do modelo e das imagens produzidas com o público-alvo e mesmo a força do modelo enquanto marca são alguns desses fatores.
A onda contemporânea de colocar modelos mais velhos estampando campanhas de marcas segue a mesma lógica. Mais recentemente foi a vez de Saint Laurent estampar Joni Mitchell, aos 71 anos de idade, em sua casa na Califórnia, usando uma capa de couro, um chapéu e uma túnica, todas da marca.
Porque Joni Mitchell aos 71 anos?
Como se sabe, ter uma história (e construí-la de forma autêntica), ter alma, se tornar um ícone, são elementos que a indústria do luxo considera essenciais na construção da marca e para as pessoas que a desejam. Joni Mitchell tem iconicidade de sobra. Saint Laurent respeita e se conecta com a história dessa musicista, trazendo-a para a sua, ainda que apenas como um tijolinho nessa marca tradicionalíssima que é Saint Laurent.
Mas mais importante que Joni Mitchell como parte da história de Saint Laurent é como Joni Mitchell aparece, ou que escolhas a marca fez. Primeiro, Joni Mitchell aparece em um contexto que é o da música. O Saint Laurent Music Project (SLMP) se iniciou em 2013. O vídeo de abertura traz uma modelo muito jovem, algo como 20 anos, de jeans e sem camisa, andando numa praia enquanto o som bluesy rola no fundo. No SLMP já entrou desde Daft Punk e Courtney Love até Kim Gordon e Christopher Owens – é nítido que a ação com Joni Mitchell não tem nada de contra nem a favor de jovens ou velhos ou pessoas de meia idade.
Aí está o lado interessante da campanha de Saint Laurent. Ela normaliza a idade. Tanto faz. O que importa é quem se é (e o que fez e como aparenta), não quantos anos se tem. Na música há isso. A idade não compromete necessariamente quem se é, podendo tanto melhorar quanto estragar o artista. Os anos são apenas paralelos ao trabalho. Não é o tempo que importa, mas o que se faz dele.
Só que ao mesmo tempo Joni Mitchell aparece muito discretamente nas fotos. O que saiu na mídia foram 3 fotos que a designer da marca, Heidi Slimane, liberou. O que se apreende dessas imagens (abaixo) é discrição. Preto e Branco. Rosto, túnica e violão. É algo bastante essencial, como ambas, marca e cantora, são. Mas é uma essência que não revela Joni Mitchell em nenhuma face que já não esteja construída na cabeça do leitor. E também não reforça nenhuma das rugas que a cantora acumulou. Não faço a menor idéia de quais são as intenções da designer, mas o resultado, como leitor, é clean por um lado e levemente maquiador por outro. Para mim deixou a desejar. Ela já disse muito nas suas letras. Nas fotos divulgadas não diz nada.
Não se chega aos 71 anos de idade sendo Joni Mitchell para ser tão asséptica em uma campanha. Se uma marca como Saint Laurent quer aproveitar o fator idade, há outras maneiras de se fazer. Saint Laurent não parece querer falar, portanto, de idade. Quer falar de ícones, de cultura, de música. Não se trata de uma modelo idosa, como diz o The Guardian. Trata-se de uma modelo cantora cuja idade foi atenuada – uma forma comum de “idadismo” (de ageism, na lingua inglesa).
Fontes:
http://www.ysl.com/corporate/us/saint-laurent-music-project/