Impondo valores geracionais

Postado em 09 de jun de 2014

Meu primeiro impulso ao ler a reportagem sobre Harriette Thompson, uma recordista da longevidade nas maratonas foi de contentamento – muito bom ver alguém com 91 anos completando uma prova com essa dificuldade.

 

Meu segundo pensamento foi de déjà vu. Era mais uma reportagem que ignorava as diferenças de valores entre as gerações, assumindo que pessoas de 91 anos se comportam movidos pela competitividade.

Conheço bem o universo dos corredores, jovens e maduros. Parte da minha tese de doutorado foi junto a eles. De fato o valor da competitividade é um elemento importante na cultura da corrida de rua e competição, mas é um valor dos mais jovens. Esses treinam para se superar, para superar os outros, para sentir e medir seu desempenho, para narcisicamente tornear os músculos, para observar sua técnica melhorar semana após semana. Enfim, competição intra e entre sujeitos é O valor na corrida de rua.

Mas entre os mais maduros não é bem assim. A enorme maioria dos maduros corre por bem estar e justamente se afasta de objetivos e provas mais ambiciosas pois já viu seus pares se contundir seriamente e se afastar da corrida. O objetivo não é a chegada, é a corrida, ou para usar uma idéia de Montaigne: “De todos os prazeres conhecidos, a busca é o mais agradável”.

Maduros são maduros, seus objetivos, valores e fase de vida são distintos. Um dos erros mais comuns é retratá-los por lentes da juventude, por valores de uma sociedade ainda bem jovem. E ao fazer isso, esconde os valores de pessoas com 70, 80, 90 anos. Não, não é legal eles terem que se adequar à competitividade e à individualidade que move quem tem 20, 30 ou 40 anos.

É claro que terminar a Rock & Rock Marathon de San Diego com um recorde mundial é muito bom. Longe de negar isso, eu apenas digo (e para isso uso esse caso) que essa história não reflete uma realidade mais ampla, na verdade ela fala de uma exceção e fala com uma lente de uma outra geração. Quem lê pensa: nossa, ela realmente se superou nisso. Na verdade sua frase final mostra que ela se poupou ao correr uma maratona e justamente por isso terminou bem:

“Lots of times [after the races], I see young girls coming in and limping, hardly able to move, and I think, ‘Well that’s pretty good that I don’t feel that bad’.”

Benjamin Rosenthal

Fonte:

http://www.runnersworld.com/runners-stories/91-year-old-to-run-sundays-san-diego-marathon